segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Notas do autor

Algum psiquiatra teve a paciência de diagnosticar, pouco menos de quatrocentos anos após sua brilhante aparição nas terras de Espanha, a patologia do fidalgo Alonso Quesada de la Mancha: conforme a atual nosografia, o cavaleiro foi afetado por parafrenia fantástica, uma das derivações da esquizofrenia. Não achei um diagnóstico tão preciso para Sancho Pansa, que viria a ser seu escudeiro, mas tenho certeza de que a psiquiatria moderna já deve ter inventado um nome para etiquetar sua ingenuidade heróica e generosa. Um nome, associado a uma montanha de comprimidos e picadas.
Divagazioni labirinti e naufragi di Sancho errante (Náufragos) propõe uma das possíveis respostas à pergunta: quem seriam, e como e aonde, em nossos dias, Sancho e Quixote? Poderíamos encontrá-los andando por nossas cidades? Em que unidade seriam levados por eficientes médicos de algum hospital psiquiátrico? Quantos furos teriam nos braços, cada um testemunhando uma crise tão violenta de ter que ser acalmada com um sedativo?
A pensão por invalidez lhes dá a oportunidade de assistir a vida dos outros permanecendo, com sua própria, à margem. Sobram pra eles as corridas até o Pinel quando a doença ataca com maior virulência. Dois marginais que passam a vida entrando e saindo de hospitais, que conhecem nomes e doses dos remédios e, de tanto ouvir falar os psiquiatras, poderiam dar palestras sobre sua própria loucura.
Sancho e Quixote se encontram e seduzem porque compartilham uma fantasia: de que o mundo “real” não é aquele indicado pelos psiquiatras – o mundo “certinho” que se vê através das lentes fabricadas pelos remédios, em que parece reinar harmonia mais do que conflito. Eles comungam a idéia de que a medicação estenda uma pátina niveladora sobre as asperezas, esconda os espectros e aparente ordem lá onde só existe o caos.
Sua heróica rebelião é exatamente esta: é a tentativa de olhar para o mundo com um olhar autônomo, não conformado, não orientado por medicamentos e psicólogos.
Recusar a terapia significa aceitar que monstros e espectros se materializam. Então é melhor empunhar as armas e matá-los até o último, para livrar-se deles uma vez por todas. Os remédios vão só anestesiá-los, agindo mais sobre o efeito do que sobre as causas.
Cavaleiros errantes, aí vêm eles, lutando, ao longo de vinte e quatro horas, contra os pesadelos de toda uma vida, fazendo as suas contas com o caos obscuro de uma cidade que em sua cansativa geografia de labirinto – becos estreitos, circulares, sombrios – reproduz em escada maior os labirintos da mente. Sancho e Quixote se arrastam pelas entranhas escuras e insidiosas da cidade como em seus próprios pensamentos, buscando uma saída, um contato. São nômades, sempre ali tão próximos mas ao mesmo tempo tão distantes, impedidos de ter uma relação qualquer com o mundo. O nosso mundo real, gigantesca máquina, caótica assustadora e incompreensível, que os esmaga.

Massimo Bavastro